segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Maria Elena

Não, não é a vontade do exílio, de estar completamente só. Sinto agora, a vontade de estar "só" de você. Não digo que a culpa seja sua, poucos conseguem reciclar o olhar e você não nasceu com esse dom. Você continua ai, me vendo com os antigos binóculos e me tratando daquela velha maneira. Mas eu sou outro e isso já tomou consciência. Você me lembra diariamente o que eu era e isso é o estopim para pequenas contradições mentais. Preciso de um lugar onde eu comece do zero, sendo o que sou agora, sem que ninguém me lembre que acabei de passar por uma metamorfose. Imagine se um pássaro seria capaz de voar se a todo tempo o confundissem e achassem que ele ainda esta dentro do ovo?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Edson

Eu tinha três anos de idade, meu pai me pegou no colo e me levou até o quintal de casa para me mostrar a lua cheia, enquanto ele apontava para o céu com um sorriso no seu rosto barbudo, eu afundava. A curiosidade diluída em melancolia me fez perguntar: - Então, quando ela é vazia?

Por vezes, em noites de qualquer lua, o meu "eu" de três anos vem me visitar. Volta cheio de delicadas perguntas. Questiona o porquê que tudo precisa ter cheios e vazios, porquê as coisas não podem ser sempre plenas e sólidas. Ao invés da resposta, lhe faço a promessa que algum dia eu explico.
Ele resmunga e dorme seu sono agitado em meu peito, insatisfeito pela ausência da resposta. Dorme o meu sono e em troca me dá os suspiros da inquietude de não saber o por que todas as vezes que vou dizer da ambiguidade da lua, digo da dos homens. E cumpro com minha palavra dizendo a resposta baixinho, para que ele não ouça; - Nem todos os homens conservam a candidez da infância, a maioria precisa que as vezes a lua suma, para que ela exista.

sábado, 6 de novembro de 2010

Em Abril um heterônimo veio até mim e disse:

"Sou rei de coisas pequenas, de mundos muito menores que eu. De pessoas ásperas que não podem me criticar. Uso palavras difíceis se essas mesmas tentam me questionar, fazendo assim com que se calem de vergonha. Medo tenho eu, de enfrentar quem esta a minha altura ou num degrau mais alto. Vai que a falta de compaixão deles pelos menores me machuque. Se eles usarem de palavras que não sei, quando eu audaciosamente questionar alguma coisa, ficarei deprimido, me calarei de vergonha perante a eles, esses monstros. Então continuo aqui onde governo, ninguém nunca vai me substituir mesmo. Todos que crescem, aqui não continuam."

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Oliveira

"Como ao almoçar, e a avó preparou uma sobremesa e não te avisou.
Você, minha sobremesa. Quando achava que já tinha provado de tudo e que não cabia mais nada dentro de mim, você me aparece com tuas formulas e historias de massacre. Encolho a barriga, pressiono o coração, perco o sono, e você dorme, contente por ter encontrado alguém para se apoiar."

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Chegar a fatigante conclusão de que a certeza de estar submerso em merda, é melhor do que estar parcialmente. Pois o pior lugar para se encontrar é o meio do poço, onde flutuas sem poder respirar e sem saber até onde a profundidade daquilo pode te levar. Afinal, a paz só é encontrada, ou quando teu corpo se livra da água e encontra o ar para respirar e o inabalável chão para se erguer, ou quando teus pés tocam o severo fundo do poço e dali, sabes que é o melhor lugar para tomar impulso.
Chegar a essa conclusão é aprender a nadar.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Não insista no lamento, o "SE" no passado não existe neste plano, proferir a triste sequencia de palavras "poderia ter sido diferente" só aumenta o peso do teu fardo e piora o resto de tua eternidade. Condenado assim, a passar as proximas tardes pensando como tudo estaria diferente, qual cor estaria teu quarto, se tua pressão estaria tão alta, se a vontade de desaguar no mundo seria tão escassa.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O que está desmatando esta "floresta" de relacionamentos é o entendimento de que o destino te recompensará em um futuro próximo com algum ser, possuidor de um mental e físico mais evoluídos do que o que acabara de perder. Tornando assim, todo teus próximos encontros como recompensadores.
Ao invés de enxergar cada oportunidade como um começo, vêem como a continuação, dando a impressão de que na vida só existe um relacionamento linear, que a o único fator a ser mudado é o alvo, mas a essência permanece, levando magoas e manias de ligações afetivas posteriores para os teus próximos amores, escrevendo assim, novas regras e novos tópicos na cartilha de "boa conduta em um relacionamento", tornando tão claustrofóbico o ar, que não há flor que sobreviva.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Rafael Leandro

Não me recordo como consegui, mas foi a descoberta do nome e da profissão de sua mãe o grande motivo. Não era pessoal, quando se tem onze anos e uma cabeça vazia, nada é pessoal. Dalgisa era cozinheira de creche, foi isso que comuniquei toda a escola com tom de deboche, uma profissão honesta como qualquer outra, mas que se torna uma arma nas mãos de um moleque. Ele se enfureceu, claro, qualquer um na situação dele teria feito o mesmo comigo. Agarrou-me pelo pescoço no meio do recreio, momento destinado para o almoço, mas que a correria sempre toma lugar, e bateu o canto de minha testa contra a parede. Eu, criança branca com traços delicados, logo tive o rosto deformado pelo enorme galo que saltou para fora. Na sala da diretora, de moletom branco, bijuterias no pescoço e sorriso gengival, nenhum sorriso foi dado, enquanto ele soluçava e eu mantinha-me em silencio, ela escrevia um bilhete para cada responsável, bilhete que teve seu fim nas mãos de meu irmão. Três anos mais velho e uma inconsequência nos atos o levou até os portões da escola, surrou o garoto de uma maneira que apenas nos filmes europeus lado B que tentam mostrar a degradação da juventude, pode se observar. Ao fim do espetáculo, algumas poucas palavras foram ditas no ouvido de meu colega, que com sangue no colarinho veio me pedir desculpas e dizer que agora éramos amigos, humilhação.
Na fila da lotérica o encontro, esta na minha frente e não sabe que estou novamente em posição privilegiada, eu o vejo e não é vice-versa. Usa meias cinzas, tem voz comicamente aguda e pela desproporcionalidade de seus músculos, usou uma generosa quantidade de esteroides anabolizantes durante esses anos. Ali estávamos, duas criaturas que tinham a definição das palavras "desculpa" e "amizade" totalmente distorcidas pelo acaso. Fez sua "fézinha" em três tipos de jogos diferentes e se foi, fiz questão de virar-me no momento em que cruzou comigo. Nunca mais o vi, o arrependimento me força a colocá-lo as vezes em minhas orações, hoje em dia trabalho como cozinheiro.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Menina

Tu que tens o conhecimento de que em tua ausência os demonios saem para caçar, e mesmo assim te ausentas em parcelas de tempo para pequenos caprichos, estremeces pois não sabes ao certo se será em tuas costas que cairás a maior parcela de culpa. Afinal, está na essência dos vilões a malevolencia, e tu, como héroi desta história, não deverias te ausentar das responsabilidades que previamente adquiriste. Confesses, cansou e não queres mais pomposo titulo e queres trocar os scripts para poder ter um pouco de sossego.

terça-feira, 9 de março de 2010

As 9:07 da manha seu celular vibrou para lhe avisar que havia recebido uma mensagem instantânea. Acordou e estremeceu, fazia dias que não recebia uma mensagem ou um telefonema, no jantar do dia anterior tinha refletido sobre isso e após uma pesquisa em seu computador, chegou a conclusão de que se tivesse escorregado no banheiro e quebrado o pescoço no primeiro dia dessa temporada de 11 dias de deserto social, seu corpo já estaria em decomposição.
Apanhou o celular e centenas de rostos vieram em sua mente, muitos ele sabia que não tinham seu numero de celular, ao aperta o botão "abrir mensagem", em letras garrafais ele via que sua operadora acabará de lhe dar "R$ 10 em bônus, para poder falar com todos os seus amigos". Ficou parado por alguns segundos, leu novamente a mensagem. Era sábado, ele poderia dormir até a hora que desejasse, mas não conseguiu pegar no sono novamente. Deitado de lado em sua cama, com as mãos sob a cabeça numa posição infantil, começou a desconfiar de que as operadoras de celular olhavam no histórico de seus clientes, e davam bônus para os que menos ligavam e menos recebiam ligações, fazendo assim, caridade para quem não pode usufruir, pensou que a metáfora "dar pérolas aos porcos" não se encaixava nesta situação, o problema não era estar a altura das pérolas, mas que ele não tinha nenhuma utilidade para elas, como um alérgico a pérolas.Não conseguiu levantar da cama antes do sol passar pelo ponto mais alto do céu: "Será que as operadoras dão bônus pois as pessoas estão ligando e mandando menos mensagens a cada dia, e agora que todos terão bônus, me ligarão mais? Ou será que não sou procurado pois até com uma simples distribuição aleatória de bônus para clientes, eu faço um grande caso?"

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Você caminha de um lado para o outro, da poltrona em frente ao televisor para a cama, da cama para o banheiro.
Ele não para de te observar, gordo e preguiçoso, com movimentos lentos e rígidos, sempre apoiado em seu ombro fazendo aquela estranha força gravitacional amplificada, que te obriga a soltar os braços enquanto segura um livro ou a deixar o controle remoto cair sobre o colo.
O tédio, pesado tédio, resolve te visitar nas tardes de Janeiro para te condenar a um sentimento ainda inexplicável, sentimento de vazio que não quer ser preenchido.Se alimenta de tuas vontades e te dá em troca um leve desconforto, um bocejar que fica parado na boca, e que mesmo com muita insistência, não sai por completo, como se tivesse deixado sua marca registrada em você. Podendo assim contabilizar quantos já dominou, e aquela massa apoiada no sofá ,preguiçosamente comemora o triunfo de mais uma tarde ter lhe roubado.